sexta-feira, 18 de março de 2011

Immanuel Kant – “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” (trechos escolhidos)


Tudo na natureza age segundo leis. Só um ser racional tem a capacidade de agir segundo a representação das leis, isto é, segundo princípios, ou: só ele tem uma vontade. Como para derivar as ações das leis é necessário a razão, a vontade não é outra coisa senão razão prática. Se a razão determina infalivelmente à vontade, as ações de um tal ser, que são conhecidas como objetivamente necessárias, isto é, a vontade é a faculdade de escolher só aquilo que a razão, independentemente da inclinação, reconhece como praticamente necessário, quer dizer como bom. Mas se a razão só por si não determina suficientemente à vontade, se esta está ainda sujeita a condições subjetivas (a certos móbiles) que não coincidem sempre com as objetivas; numa palavra, se a vontade não é em si plenamente conforme a razão (como acontece realmente entre os homens), então as ações, que objetivamente são reconhecidas como necessárias, são subjetivamente contingentes, e a determinação de uma tal vontade, conforme as leis objetivas, é obrigação; quer dizer, a relação das leis objetivas para uma vontade não absolutamente boa representa-se como a determinação da vontade de um ser racional por princípios da razão, sim, princípios esses, porém, a que esta vontade, pela sua natureza, não obedece necessariamente.
            A representação de um princípio objetivo, enquanto obrigante para uma vontade, chama-se um mandamento (da razão), e a fórmula do mandamento chama-se imperativo.
            Todos os imperativos se exprimem pelo verbo dever, e mostram assim a relação de uma lei objetiva da razão para uma vontade que segundo a sua constituição subjetiva não é por ela necessariamente determinada (uma obrigação).
            Ora, todos os imperativos ordenam ou hipotética ou categoricamente. Os hipotéticos representam a necessidade prática de uma ação possível como meio de alcançar qualquer outra coisa que se quer (ou que é possível que se queira). O imperativo categórico seria aquele que nos representasse uma ação como objetivamente necessária por si mesma, sem relação com qualquer outra finalidade.
            Como toda lei prática representa uma ação possível como boa e por isso como necessária para um sujeito praticamente determinável pela razão, todos os imperativos são fórmulas da determinação da ação que é necessária segundo o princípio de uma vontade boa de qualquer maneira. No caso de a ação ser apenas boa como meio para qualquer outra coisa, o imperativo é hipotético; se a ação é representada como boa em si, por conseguinte, como necessária numa vontade em si conforme à razão como princípio dessa vontade, então o imperativo é categórico.(...)
            Há no entanto uma finalidade da qual se pode dizer que todos os seres racionais a perseguem realmente (enquanto lhes convêm imperativos, isto é, como seres dependentes), e portanto uma intenção que não só eles podem ter, mas de que se deve admitir que a têm na generalidade por uma necessidade natural. Esta finalidade é a felicidade.(...)
            O querer segundo estes (...) princípios diferentes distingue-se também claramente pela diferença da obrigação imposta à vontade. Para tornar bem marcada esta diferença, creio que o mais conveniente seria denominar estes princípios por sua ordem, dizendo: ou são regras da destreza, ou conselhos da prudência, ou mandamentos (leis) da moralidade. Pois só a lei traz consigo o conceito de uma necessidade incondicionada, objetiva e conseqüentemente de validade geral, e mandamentos são leis a que tem de se obedecer, quer dizer que se têm de seguir mesmo contra a inclinação. O conselho contém, na verdade, uma necessidade, mas que só pode valer sob a condição subjetiva e contingente de este ou aquele homem considerar isto ou aquilo como contando para sua felicidade; enquanto que o imperativo categórico, pelo contrário, não é limitado por nenhuma condição e se pode chamar propriamente um mandamento, absolutamente, posto que praticamente, necessário. (...)
            O imperativo categórico é portanto só um único, que é este: Age segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.
            Ora, se deste único imperativo se podem derivar, como do seu princípio, todos os imperativos do dever, embora deixemos por decidir se aquilo a que se chama dever não será em geral um conceito vazio, podemos pelo menos indicar o que pensamos por isso e o que é que este conceito quer dizer.
            Uma vez que a universalidade das leis, segundo a qual certos efeitos se produzem, constitui aquilo a que se chama propriamente natureza no sentido mais lato da palavra (quanto à forma), quer dizer, a realidade das coisas, enquanto é determinada por leis universais, o imperativo universal do dever poderia também exprimir-se assim: Age como se a máxima da tua ação se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza.

Kant – Biografia (1724-1804)

Nascido em Königsberg, atual território russo, Kant foi um dos últimos grandes expoentes do Iluminismo. Desenvolveu uma pacata carreira de professor universitário, mantendo uma vida  regrada. Despertado do “sono dogmático” pela obra de Hume, começou a conceber uma mediação entre a tradição do empirismo inglês e o racionalismo continental. Sua obra mais influente foi, talvez, a Crítica da Razão Pura. Escreveu também, em resposta a um debate numa revista, o pequeno texto O que é Iluminismo. Suas preocupações com o debate em torno da Moral levaram-no a publicar Fundamentação da metafísica dos costumes, Crítica da razão prática e Metafísica dos costumes. Sua influência foi extraordinária na Filosofia do século XIX e XX.

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