Paulinho entrou na escola. Hoje pegamos o seu diário. Eis aí o relato de sua vida escolar.
Acabei de entrar na escola. O diretor nos apresentou tudo. Ele disse que escola vem do grego skhole, que tem a ver com o tempo livre, o lazer. Bem, é meu primeiro dia e já achei algo estranho. Creio que fui enganado, pois não tive nenhum tempo livre. Tudo indica que cheguei ao fim do tempo em que eu tinha tempo livre.
Estou na escola faz duas semanas. Passo na rua e os meninos menores olham e me apontam para suas mães. As mães dizem, é “um aluno”. Fui querer saber o que é aluno. Aluno vem do verbo latino alere, que quer dizer alimentar, nutrir. Novamente, mais um tapeação. Não sou alimentado lá na escola por ninguém. A cantina da escola tem um preço absurdo, isso quando consigo um lugar na fila.
Mais uma semana na escola. Na sala de aula, sento em algo que todos chamam de “carteira”. É esquisito, a carteira do meu pai é de couro, mesmo quando ele compra as mais baratinhas, elas são almofadas. Essa tal carteira de sentar é sempre a coisa mais dura do mundo – e eu fico mais de cinco horas nela. Agora, dizem que uns políticos loucos querem que fiquemos lá sentados na madeira o dia todo. Chamam isso de tempo integral!
Estou faz dois meses na escola. Dizem na escola que estamos lá para aprimorar o “espírito”, mas logo em seguida, estranhamente, o professor fala que é para cada um “pegar a “matéria”. Ora, mas não iam lidar com o espírito, por que então só se importam com a matéria?
Completo hoje três meses na escola. Os colegas mais velhos disseram que aquele monte de “matérias” são as “disciplinas”! Ah, aí sim revelam tudo: disciplina. Agora sim pararam de enganar, ou ao menos os colegas mais velhos foram sinceros: disciplina – era isso que queriam da gente!
Quatro meses na escola. Como ouvimos o diretor falar, o conjunto de disciplinas resulta na “grade curricular”. Pronto! Que caras de paus sádicos. Disciplina e, obedecendo-as ou não, vamos para a grade! Ora, seja ela curricular ou não, é grade! Só agora começo a entender porque, no início, mentiram. Quem viria para esse lugar se falassem a verdade, que tudo acabaria em tal grade curricular?
Cinco meses na escola. Não fiz nada de mal, mas começam a dizer que todos nós vamos para uma “prova”. Mas não fiz nada! Do que vão me acusar? O que terei de provar? Que lugar louco!
Nossa! Já faz seis meses que estou na escola. Finalmente o diretor e o professor, juntos, revelaram a verdade de tudo aquilo. Falaram que, para sairmos dali, temos de estar formados! Eu já sabia! Tudo aquilo só podia ser para isso mesmo. Estamos numa forma e de uma forma só poderíamos, mesmo, sair formados – conformados!
Estou faz sete meses na escola. Todos perguntam se estou gostando da minha educação. Fui investigar o que é educação. Nossa! A palavra vem do latim educere e educare, o primeiro termo é “conduzir” e “dirigir de fora”, o segundo quer dizer “criar” e “sustentar”. A primeira é uma ação que vem de fora, a segunda é uma ação que preserva o que já é interno ou espera um desenvolvimento interior. Bom, se a própria “educação” não decidiu ainda o que é, como que querem que fiquemos educados?
Já faz um bocado de tempo que estou na escola. Finalmente, veio a primeira greve. Só hoje acabei descobrindo que professor é o que professa. Ele faz uma declaração. Age como o religioso que professa a fé, dá testemunho da fé. Pois é, nosso professor realmente deve ter fé em algo, pois ele estava ganhando 7 reais a hora aula e continuava indo lá, todos os dias.
Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e prof. da UFRRJ
Blog http://ghiraldelli.pro.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário