A elaboração de resumos está estreitamente ligada às estratégias necessárias para estabelecer o tema de um texto, para gerar ou identificar sua ideia principal e seus detalhes secundários.
Você poderia, neste momento, dizer qual é o tema deste capítulo? Poderia identificar as principais ideias que ele
transmite? Considera que dispõe, com os passos anteriores, de um resumo do que leu até este momento?
É provável que você considere que “quase” tem o resumo, mas não totalmente: ou, em outros termos, que a
identificação do tema e das ideias fundamentais presentes em um texto lhe dão uma base importante para resumi‐lo,
porém este – o resumo – requer uma concretização, uma forma escrita e um sistema de relações que em geral não derivam diretamente da
identificação ou da construção das ideias principais.
Nos parágrafos seguintes dedicar‐me‐ei ao processo mediante o qual se resume. Como a elaboração de um resumo
pressupõe uma forma muito especial de escrever um texto, também deveremos tratar – ainda que superficialmente – das relações entre leitura e escrita, no tocante ao ensino desta estratégia
Antes de entrar na matéria, gostaria de fazer uma advertência: em torno do ensino do resumo existem opiniões
contraditórias, pontos de vista opostos e nem sempre é fácil optar por alguns deles. Em meu caso, como tem sido a
norma ao longo desta obra, parto de uma concepção da leitura e das estratégias que permitem torná‐la compreensiva e eficaz e que não a considera um compêndio de subabilidades. Por isso, você não encontrará aqui, como encontrou
quando tratávamos de outras estratégias, uma lista de subatividades que presumivelmente preparam para resumir. A
ler se aprende lendo, e a resumir, resumindo.
Para esclarecer um pouco a inevitável confusão provocada em torno de termos como “tema”, “ideia principal” e
“resumo”, e ao mesmo tempo para evidenciar suas estreitas ligações, proponho que partamos do conceito clássico de
macroestrutura de um texto, elaborado por Van Dijk, ao qual já aludi em um capítulo prévio. Para o autor (1983, p. 55),
“[...] Existem estruturas textuais de tipo global, isto é, macroestruturas [...] de natureza semântica. Assim, a
macroestrutura de um texto é uma representação abstrata da estrutura global de significado de um texto”.
A macroestrutura proporciona uma ideia global do significado do texto em um nível superior ao das proposições por
separado. Para Van Dijk, o tema de um texto é a macroestrutura ou uma parte dela; é o que nos permite responder à
pergunta: de que trata este texto? Além disso, frisa o autor, os leitores são capazes de fazer um resumo do texto,
“[...] isto é, de produzir outro texto relacionado de forma muito especial com o texto original, pois reproduz
brevemente seu conteúdo. Embora, como veremos, os diferentes falantes elaborem resumos diferentes do mesmo
texto, sempre o fazem baseando‐se nas mesmas regras gerais e convencionais, as macrorregras.” (Van Dijk, 1983, p.59).
Estas macrorregras, que permitem elaborar o resumo, também permitem que se tenha acesso à macroestrutura do
texto, ou seja, a essa representação global de seu significado. Tanto o tema como a ideia principal e o resumo apelam a essa macroestrutura, indo do mais geral para o mais
preciso – ou dos que oferecem de menor a maior informação – com relação à estrutura formal semântica do texto -de seu significado. Van Dijk (1980, em Bareiter e Scardamalia, 1987) afirma que a representação da compreensão de um texto poderia ser considerada uma estrutura hierárquica, em cujo nível superior haveria uma proposição que daria conta do “tema” do texto, e cujo nível inferior estaria formado por proposições relativas aos detalhes. Entre ambos os níveis, e relacionando‐os, estaria o nível intermediário das macroproposições, “[...] que destilam a substância do texto” (Bereitr e Scardamalia, 1987, p. 240). Os problemas na compreensão do texto podem ser atribuídos à incapacidade de se ter acesso a estas
Daí a importância de ensinar a ter acesso à macroestrutura. Como tanto a designação do tema de um texto, quanto a
identificação de suas ideias e a elaboração de um resumo sobre o texto possuem caráter idiossincrático, é importante
poder esperar e aceitar diversas respostas dos alunos quando se deparam com cada uma destas tarefas. Isso não significa que “vale tudo”, mas que é preciso trabalhar – e avaliar a coerência e a justificação das respostas antes que sua exatidão ou sua identidade com uma resposta previamente elaborada.
As macrorregras mencionadas por Van Dijk para ter acesso à macroestrutura não diferem em essência das regras de Brown, Campione e Day (1981), que comentamos no primeiro capítulo, e que implicavam na supressão de informação não‐relevante, na substituição de conceitos e frases por conceitos e frases supra‐ordenados e na seleção ou criação de “frases‐tema”. Van Dijk (1983) estabelece quatro regras que nós, leitores, utilizamos quando tentamos resumir o conteúdo de um texto: omitir, selecionar, generalizar e construir ou integrar.
Mediante as regras de omissão e de seleção suprime‐se informação, mas de maneira diferente.
Omitimos a informação que podemos considerar pouco importante para os objetivos de nossa leitura. O autor insiste em que o fato de omitir não significa que a informação em si seja pouco importante para os objetivos de nossa leitura, mas que é secundária ou pouco relevante para a interpretação global do texto. No entanto, quando selecionamos, suprimimos informação porque ela resulta óbvia, porque ela é, de algum modo, redundante e, portanto, desnecessária. Por exemplo, se dizemos o seguinte:
“Laura desceu até a praia e estendeu sua toalha amarela na areia. Entrou na água e tomou banho”
Podemos omitir o fato de a toalha ser amarela, e mesmo toda a frase em que essa palavra se encontra, a menos que desejemos saber tudo o que Laura fez na praia. Devido à seleção, podemos omitir a frase “entrou na água”, pois a seguinte, “tomou banho”, contém o significado da anterior.
As outras duas regras, generalização e construção ou integração, permitem substituir informação presente no texto para integrá‐la de forma mais reduzida no resumo. Mediante a regra de generalização, abstrai‐se de um conjunto de conceitos um nível superior, capaz de englobá‐los:
“Entrou na cozinha e viu cerejas, morangos, maçãs e pêssegos em cima da mesa...”
Como pode‐se deduzir, o que viu foram “frutas”.
Quando construímos ou integramos, elaboramos uma nova informação que substitui a anterior, com a particularidade de que esta informação geralmente não consta no texto. A partir da existente, deduzimos razoavelmente algo mais global que engloba a anterior:
“Por fim chegou o último dia de julho. Arrumou os papéis do escritório, fechou cuidadosamente as janelas e verificou que desligava as luzes. Passou o resto da tarde preparando as malas e fechando a casa. Ao entardecer, subiu ao carro e dirigiu durante um par de horas até o litoral. No dia seguinte, tomou o primeiro banho de mar antes de tomar café.”
Fantástico! “Viagem de férias”. Criamos uma proposição que integra – ou que pode integrar - o significado de todas as anteriores em conjunto. É importante prestar atenção ao fato de que lemos e elaboramos o resumo de acordo com nossos esquemas de conhecimento e com o ue nos deixam e nos fazem interpretar do texto. Nosso personagem poderia ter ido participar de uma convenção de vendas ou de um congresso sobre o ensino da leitura, cuja cede fosse uma cidade litorânea. Mas muitos indícios no texto – últimos dias de julho, arrumar o escritório, fechar a casa – nos fazem pensar em férias.
Como pode verificar, para resumir um texto temos de tratar a informação que ele contém de uma forma em que se possa omitir o que é pouco importanteou redundante e que conceitos e proposições possam ser substituídos por outros que os englobem ou integrem.
Também é preciso que o resumo conserve laços especiais com o texto a partir do qual foi criado, devendo preservar o significado genuíno do texto do qual procede. Se no exemplo anterior nosso resumo fosse “foi embora”, não teríamos respeitado esta condição, que não é absolutamente formal, mas tem grandes implicações quando se pensa, por exemplo, no uso que se faz dos resumos, para aprender, para estudar. Nestes casos, é tão pouco útil que o resumo seja quase uma reprodução do texto, como que seja tão geral que não contenha a informação específica advinda naquele.
Nestes casos, é bastante provável que não se tenha ensinado a resumir, ou que não se tenha ensinado a resumir textos. Aprender a resumir significa, em primeira instância, aprender a usar as regras mencionadas ou outras parecidas, respeitando a condição citada há um momento. Quando o ensino do resumo é substituído pela ordem “Resumam este parágrafo”..., “Façam um resumo... vocês têm que dizer a mesma coisa, mas com menos palavras”, se algum aluno aprender, com certeza não será graças ao sistema utilizado para ensinar, porque este não existe. Tampouco se aprende a resumir textos quando só se treinam separadamente as regras que enunciei em listas de palavras, em frases ou parágrafos curtos e preparados. Isto pode ser útil para que os alunos possam treinar certas estratégias – buscar um conceito subordinado para um conjunto, por exemplo – porém é arriscado pensar que serão transferidas sem qualquer problema para um texto. Por isso deveriam ser consideradas tarefas complementares, mais do que pré‐requisitos ou substitutas.
[...]
SOLÉ, Isabel. “O resumo” In: Estratégias de leitura. Porto: Alegre: Artmed, 1998. 6ª Ed. pp. 143 – 147
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